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29 Abril, 2022

Os cuidadores formais – dificuldades e desafios

Os Cuidados Formais - Dificuldades e Desafios

No relatório da OCDE sobre a análise da força de trabalho dedicada ao cuidado de longa duração em instituições e nos serviços ao domicílio (“Who cares? Attracting and Retaining Care Workers for the Elderly”, 2020), constata-se que o crescimento das pessoas com mais de 65 anos a necessitar de cuidados tem sido superior ao número de pessoas que trabalham no sector, estimando-se que a necessidade de mão de obra neste sector terá que crescer 60% até 2040

Um dos desafios mais importantes para o sector nas próximas décadas, será encontrar formas de aumentar a atração e retenção das pessoas para trabalharem nesta área. Dados da Eurofound (2020) indicam que 37% dos trabalhadores deste setor pensam que o seu trabalho afeta negativamente a sua saúde (em comparação com 25% dos trabalhadores no geral) e quase dois quintos (38%) pensam que serão incapazes de fazer o seu trabalho até aos 60 anos. De resto, para quem está na área, o problema de atrair pessoas e retê-las, é já um problema sentido por muitas instituições, sobretudo, as mais pequenas e as localizadas em zonas mais interiores do país.

Ainda, segundo o citado relatório da OCDE, o trabalho no sector dos cuidados de longa duração é caracterizado por uma elevada precariedade, que se reflete no tempo médio de contrato dois anos mais baixo que em outros sectores, os contratos temporários representam cerca de 20% do total dos contratos e os salários são, na média dos países da OCDE, 35% mais baixos que os salários pagos no sector da saúde, para as mesmas funções (enfermeiros e auxiliares). Adicionalmente, estes trabalhadores (cerca de 46%) estão expostos a riscos de saúde mental.

De facto, estes profissionais não têm o reconhecimento proporcional ao valor social que representam, particularmente, se tivermos em conta o envelhecimento demográfico das nossas sociedades e todos os desafios que são colocados à capacidade de cuidarmos com dignidade e qualidade os mais velhos dependentes. 

Poucos países da União Europeia exigem que os trabalhadores de cuidados pessoais apresentem algum nível de formação prévia ou tenham alguma certificação, contribuindo de certo modo para legitimar a precarização associada a esta atividade – assume-se que a atividade é de aprendizagem espontânea ou imediata. No entanto, em mais de dois terços dos países da OCDE, as atividades desempenhadas por estes profissionais vão além da ajuda nas atividades de vida diária (ADL), sendo efetivamente mais complexas, do que aquilo que são muitas vezes consideradas. Estão, muitas vezes, envolvidos nas atividades de monitorização do estado de saúde, participam na implementação dos planos de cuidados e nos registos associados à sua monitorização. E são exigidas competências de comunicação, especialmente, no que toca ao suporte psicológico, uma vez que acabam por ser as pessoas que mais interagem com a pessoa cuidada.   

Vários estudos têm mostrado que a experiência de cuidar pode estar associada ao desenvolvimento de doenças ou problemas de saúde para aqueles que prestam cuidados a idosos (Alencar et al., 2010; Bauer et al., 2018; Lenardt et al., 2011). Identifica-se uma associação entre esta atividade profissional e problemas de saúde física, como dores músculo-esqueléticas (Alencar et al., 2010) e problemas psicológicos como stress, ansiedade e mal-estar emocional (Marigliano & Gil, 2018; Moral et al 2003). 

Como podemos constatar, os desafios que se colocam ao sector são de natureza estrutural e terão de ser enfrentados a nível macro, no entanto, cada organização deverá estar alerta e adotar estratégias para minorar alguns dos principais fatores de risco.

Principais fatores de risco:

Fatores de natureza ergonômica: repetibilidade de movimentos, esforço excessivo de grupos musculares, posturas incorretas durante a jornada de trabalho, mobiliário inadequado, inexistência de equipamentos de auxílio, entre outros).

Sabe-se que a assunção de posturas penosas é uma constante nesta atividade, tanto em tarefas simples quanto em tarefas consideradas mais complexas, como auxiliar no banho ou a vestir, ajudar a levantar, mudar de posição e apoiar na locomoção (Guerra et al. 2017).  

Alguns exemplos de posturas que devem ser corrigidas:

Exemplos de Postura

Exemplos de Postura

Exemplos de Postura

 

Fatores de natureza organizacional: tarefas monótonas e gestos repetitivos, jornadas prolongadas de trabalho, ritmo acelerado de trabalho, ausência de pausas, número inadequado de funcionários levando a uma sobrecarga de trabalho, entre outros.

Um dos fatores que talvez tenha mais peso na questão organizacional é a necessidade de organizar os horários por turnos, com as consequências que isso tem para a vida familiar e na saúde dos trabalhadores.  Dentro desta contingência, a organização dos horários deve ser estabelecida sob regras claras e equitativas para evitar conflitos e insatisfação entre colegas. Deve ser dada a maior previsibilidade possível aos horários para que os trabalhadores possam conciliar a sua vida profissional com a vida familiar. Para quem trabalha na área, o planeamento das escalas de horário é um fator chave para organização do trabalho, que influencia enormemente o relacionamento interpessoal da equipa.

Fatores de natureza psicossocial: pressão excessiva, acumulação de tarefas, problemas de relacionamento interpessoal, ambiente tenso, trabalho rigidamente hierárquico, entre outros.

Na literatura da área, como já vimos, cuidar de idosos surge sempre associado a uma tarefa desgastante, complexa e que, normalmente, acarreta riscos negativos para a saúde física e mental do cuidador, em particular, para o cuidador formal. No entanto, desde a década de 1980 que têm surgido correntes que procuram realçar os aspetos positivos do ato de cuidar, dos quais realçamos alguns, que podem ser utilizados como estratégia de motivação e melhoria da resiliência dos cuidadores face aos riscos de natureza psicossocial. Assim, num estudo realizado por Vieira et al. (2011), identificou cinco categorias relacionadas com a forma como o cuidador encara o cuidado prestado. 

Cuidado como uma técnica: o aspeto positivo é o facto de o cuidador encarar a prestação de cuidados como uma função, que exige saber técnico e rigor no seu desempenho;

Cuidado como interação: na relação de cuidado pode ocorrer uma retribuição de carinho e reconhecimento por parte de outros, o que, de algum modo, pode ser interpretado pelo cuidador como satisfatório.

Cuidado como expressão de subjetividade: sendo esta categoria definida pela interação interpessoal que envolve o respeito, a consideração, a compaixão e o afeto, sendo assim um cuidado que envolve o sentimento.

Cuidado como atitude: envolve a atitude profissional como a responsabilidade, o compromisso, a disponibilidade, o respeito e a paciência. Os profissionais encaram a sua tarefa como uma obrigação social e cívica em cuidar de um ser humano que se encontra frágil e vulnerável.

Cuidado como descaracterização do sujeito: onde a expressão colocar-se no lugar do outro tem primazia, pois alguns dos cuidadores vivenciam a situação do idoso como se fosse a própria realidade do cuidador.

Finalmente, a tecnologia surge como uma forma de aliviar a pressão do trabalho associado ao ato de cuidar e como forma de melhoria na produtividade, sobretudo, através do suporte que esta pode aportar na recolha e tratamento da informação. Com o Ankira os registos são facilitados….

 

Referência das imagens:
Coelho, Marta. “Estudo da frequência de lesões músculo-esqueléticas relacionadas com o trabalho (LMERT) em profissionais de enfermagem: proposta de um programa de ginástica laboral.” (2009).